terça-feira, junho 26, 2007

A Figueira


Floram no chão as chamas do meio-dia e os subterrâneos vapores que turvam o horizonte. Fora o canto áspero das cigarras, toda a vida aparenta estar ausente deste mundo, apenas Urukagina se arrasta verticalmente como que embalado pelo ziziar dos machos… senta-se na sombra perfumada da Figueira ensaguentando o solo com o seu suor e já coberto pelo sombrio lençol, prende os olhos nos leves seios que desenham a paisagem de Sirpula. Pretende esquecer-se dos Homens e dos Deuses, por isso abandonou a sua cidade em plena hora de morte no Verão e partiu em busca de uma arvore da qual pudesse ver todo o Mundo livre do que não fosse Mundo, virando as costas aos que o amavam e ao seu majestoso templo que riscava os céus. O coração bate-lhe pesado no peito fazendo pulsar até a alma, ainda com o respirar profundo como os poços do deserto estende o corpo ao comprido sobre o vermelho das terras apoiando a cabeça nas raízes da Figueira. Todo o seu ser vibra com a frescura desta sombra, abandonado lentamente pelo cansaço que o ia carregando ao longo da sua caminhada.

Na copa da arvore os frutos encontram-se inchados, grandes como punhos cerrados, cobrindo Urukagina com o seu mel, mas ele ignora-o, perde-se agora nos espíritos que rodopiam à distancia sobre as areias e no bando de abutres que nas alturas parece acompanhar os espíritos nas suas danças espirais, junto com eles também o seu pensamento vagueia para longe da terra dos Homens e do seu próprio corpo. Anseia apenas não abandonar mais este lugar, não regressar ao seu reino, feito do Homem que ele é para todos os outros Homens que o habitam.

A noite chegou e partiu, muitas outras noites se passaram e juntamente com elas caiu Sirpula primeiro e depois todos os reinos, impérios e nações. Urukagina, ainda agora se encontra deitado debaixo da mesma Figueira, mantido vivo pelo eterno néctar dos figos que lhe desagua nos lábios, nem a dormir nem acordado, apenas a passear os seus sonhos de olhos bem abertos, juntamente com os espíritos do deserto e os bandos de abutres que dançam ao som do cio das cigarras, longe de si, longe dos tempos.