sexta-feira, junho 22, 2007

II


Ainda cativo do comboio lancei-lhe a âncora do meu sono e agora resido nestas eternas viagens. Esmagado pelo peso dos olhos, de tempos a tempos ainda vislumbro todo o mundo cheio de dormência a correr lá fora. O mar, o rio e os céus passam-me fugazes e distantes até se perderam de novo no sonho. Já me perdi até no tempo, juro que não sei há quantas Eras aqui estou... Do oceano para o rio e do rio para o oceano, viagem sem fim e sem ponto de partida ou chegada, escuto apenas o eterno murmurar das carruagens a deslizarem sobre os carris feitos de metálico tempo e uma vez por outra, o grito da velha Leviatã que vive nas margens líquidas do mundo.

A chuva parou, desperto com os guarda-chuvas a debandarem como pássaros pela minha janela. Os braços do sol escapam-se em esforço por entre as nuvens estendendo-se até tocarem na superfície do chumbo das águas. Todo o céu se revolta numa dinâmica lânguida ao erguer da Leviatã, aí, antes de me perder de novo, mergulho o pensamento nas planícies do firmamento, ouvindo cada vez mais distantes as vozes dos fantasmas. Até esse silencio se tornar na minha voz e por fim, na antiga língua das serpentes.